O Dia Internacional dos Direitos da Criança

“Foi no século XIX que os poderes públicos começaram a pensar nas crianças como tais, com necessidades especiais, dada a sua vulnerabilidade e desamparo, e não como adultos pequenos, com direito a prestar os seus serviços durante dezasseis horas por dia ou como escravos de pais” [1].

A primeira Declaração dos Direitos da Criança foi elaborada em 1923 por Eglantyne Jebb tendo a mesma sido aprovada pela International Save Children Union e adoptada em 1924 pela Sociedade das Nações.

Em 1946, a Assembleia Geral das Nações Unidas criou um organismo especial permanente voltado para as crianças e adolescentes órfãos da guerra intitulado International Children’s Emergency Fund (ICEF) actual UNICEF.

Em 1948 proclama-se a Declaração Universal dos Direitos do Homem nos termos do qual o seu artigo 25º nº 2 confere à maternidade e à infância direitos a ajuda e a assistência especiais.

A Declaração dos Direitos da Criança aprovada em 1959 pela Assembleia Geral das Nações Unidas “vem revelar-se como o marco histórico da grande viragem e do processo de mudança no campo dos conceitos e do entendimento relativo às questões da criança e dos jovens e dos problemas que os afectam[2]. Defende genericamente que as crianças devido à sua vulnerabilidade necessitam de cuidados e atenção especiais, sendo dada especial ênfase aos cuidados primários e às responsabilidades da família na sua protecção e, proclama dez princípios para a protecção e o desenvolvimento da criança, designadamente:

  1. A criança gozará dos direitos enunciados na presente declaração, sendo os mesmos reconhecidos a todas as crianças sem descriminação alguma, independentemente de qualquer consideração de raça, cor, sexo, língua, religião, opinião política, da sua origem nacional ou social, fortuna, nascimento ou de qualquer outra situação sua ou da sua família.
  2. A criança gozará de protecção especial e beneficiará de oportunidades e serviços dispensados pela lei e outros meios, para que possa desenvolver-se física, intelectual, moral, espiritual e socialmente de forma saudável e normal, assim como em condições de liberdade e dignidade.
  3. A criança tem direito desde o nascimento a um nome e a uma nacionalidade.
  4. Toda a criança tem direito a crescer e desenvolver-se com saúde.
  5.  A criança mental e fisicamente deficiente ou que sofra de alguma diminuição social, deve beneficiar de tratamento, de educação e dos cuidados especiais requeridos pela sua particular condição.
  6. Para o desenvolvimento pleno e harmonioso da sua personalidade a criança precisa de amor e compreensão.
  7. A criança tem direito à educação, que deve ser gratuita e obrigatória, pelo menos nos graus elementares.
  8. A criança deve, em todas as circunstâncias, ser das primeiras a beneficiar de protecção e socorro.
  9. A criança deve ser protegida contra todas as formas de abandono, crueldade e exploração, e não deverá ser objecto de qualquer tipo de tráfico.
  10. A criança gozará de protecção contra as práticas que possam fomentar a discriminação racial, religiosa ou de qualquer outra natureza.

A emergência da criança como sujeito de Direito Internacional foi, de acordo com Monteiro [3] (2002), o dado mais significativo desta Declaração tendo, o espírito dos ‘direitos da criança’ começado a surgir nos sistemas jurídicos nacionais.

É nesta declaração que surge pela primeira vez o primado do superior interesse da criança tendo a implantação do princípio do interesse da criança aberto caminho “à sua afirmação no Direito Internacional, como um dos princípios gerais de direito reconhecidos pelas nações civilizadas” [4].

A Convenção sobre os Direitos da Criança, assinada por Portugal em 1990, declara o papel da família na vida da criança como fundamental. Prevê que exista um ambiente natural apropriado para o crescimento e o bem-estar das crianças e declara a responsabilidade de garantir que os seus direitos sejam respeitados e protegidos e, “fez do interesse superior da criança o princípio-guia do exercício das responsabilidades parentais e da intervenção pública no foro familiar”[5]. A família é habitualmente pensada, na sociedade actual, “como o lugar onde naturalmente nascemos, crescemos e morremos” [6] sendo que, todos nós fazemos parte de uma família, sejamos pais, filhos, irmãos, tios, primos, avós.

A família assume-se assim como “um espaço privilegiado para a elaboração e aprendizagem de dimensões significativas da interacção: os contactos corporais, a linguagem, a comunicação, as relações interpessoais. É, ainda, o espaço de vivência de relações afectivas profundas: a filiação, a fraternidade, o amor, a sexualidade… numa trama de emoções e afectos positivos e negativos que, na sua elaboração, vão dando corpo ao sentimento de sermos quem somos e de pertencermos àquela e não a outra qualquer família”[7].

“As crianças são, por natureza, seres frágeis, dependentes e indefesos, o que as torna particularmente vulneráveis a todo o tipo de violência, abuso ou exploração” [8]. Apesar de ao longo dos tempos muita coisa se ter alterado, todos os dias somos confrontados com a realidade persistente de muitas crianças ou jovens, em todo o mundo, vítimas de violação dos seus direitos fundamentais e sujeitas a múltiplos factores de risco que põem em causa o seu desenvolvimento e o seu processo de socialização. De acordo com Isabel Gomes, a filosofia que enquadra a política de promoção e protecção das crianças e jovens estabelece a convicção de que cada criança é única, considerando-a como sujeito de direito. Deste modo, “a criança, por motivo da sua falta de maturidade física e intelectual, tem necessidade de uma protecção e cuidados especiais, nomeadamente de protecção jurídica adequada, tanto antes como depois do nascimento.” [9]

[1] DeMause cit in Monteiro, A. Reis (2002). A Revolução dos Direitos da Criança. Porto: Campo das Letras – Editores, S.A. pp. 92

[2] Clemente, Rosa Maria (1998). Um novo olhar sobre a criança – um direito novo de promoção de direitos e de protecção. Intervenção Social, nº 17/18. ISSScoop, Dezembro. pp.20

[3] Monteiro, A. Reis (2002). A Revolução dos Direitos da Criança. Porto: Campo das Letras – Editores, S.A.

[4] Monteiro, A. Reis (2002). A Revolução dos Direitos da Criança. Porto: Campo das Letras – Editores, S.A. pp.146

[5] Monteiro, A. Reis (2002). A Revolução dos Direitos da Criança. Porto: Campo das Letras – Editores, S.A. pp. 150

[6] Alarcão, Madalena (2006). (Des) Equilíbrios Familiares. (3ª ed.) Coimbra: Quarteto Editora. pp. 37

[7] Alarcão, Madalena (2006). (Des) Equilíbrios Familiares. (3ª ed.) Coimbra: Quarteto Editora. pp. 37

[8] Canha, Jeni (2000). Criança Maltratada. O papel de uma pessoa de referência na sua recuperação. Estudo perspectivo de 5 anos. Coimbra: Quarteto Editora. pp. 17

[9] Declaração dos Direitos da Criança, adoptada em 20 de Novembro de 1959 pela Assembleia Geral das Nações Unidas cit in Convenção sobre os Direitos da Criança, pp. 4

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